Melhores tratamentos englobam saúde física e psicológica simultaneamente
João Paulo Pires, Otávio Nadaleto
Doenças psiquiátricas transcendem delimitações de "mente" e "corpo" e podem se manifestar através de órgãos, como pele e intestino, membros e funções biológicas como o sono e a imunidade. "Nós aprendemos que a emoção é uma coisa abstrata e o que causa doenças são bactérias ou traumas, que são coisas concretas. Não é bem assim", afirma o psiquiatra Wimer Bottura Junior, presidente da Associação Brasileira de Medicina Psicossomática.
O psiquiatra Avelino Luiz Rodrigues, professor do Instituto de Psicologia da USP, explica que são "duas faces da mesma moeda." "De um lado, há a linguagem emocional e, do outro, a linguagem no nível dos processos orgânicos. Essa interação se dá a todo instante." Segundo ele, questões como genética e padrões comportamentais determinam se uma pessoa apresentará alterações fisiológicas e em quais sistemas elas se darão.
Doenças são multifatoriais. Não existe causa única para sua manifestação. "É um quebra-cabeça, e uma das coisas relacionadas são problemas emocionais, enfrentados muito especialmente na adolescência", explica Cláudio Len, do Ambulatório de Reumatologia do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Segundo ele, assim como há pessoas que sentem mais calor que outras, também há as que sentem mais dor, e essa menor tolerância pode ser fruto de um quadro psicológico problemático. "Tratamos crianças e adolescentes que têm dor nas pernas e nos braços por mais de três meses. Eles procuram vários médicos e não acham uma causa orgânica: não têm artrite, inflamação, fratura, nada".
A estudante Maria Fernanda Oliveira, 18, tem fibromialgia e é paciente de Len. "É dor o tempo todo, todos os dias. A primeira coisa que sinto quando acordo é dor. Ela influencia muito no jeito de lidar com o mundo e comigo mesma", descreve.
Após o quadro se agravar, ela procurou diversos médicos, sem conseguir um diagnóstico preciso. "Foi quando comecei com um histórico forte de depressão, ansiedade e crises de pânico. Isso piora minhas dores", diz. No ambulatório onde se trata, é feita uma abordagem multiprofissional, em que uma equipe de diferentes especialistas cuida de um mesmo paciente.
Especialistas contam que alguns pais levam seus filhos a outros profissionais, como dermatologistas ou dentistas, até descobrirem a origem do problema. "Temos atendido mais pacientes ansiosos e depressivos. Muitas vezes o médico não percebe que a pessoa está, através da pele, pedindo socorro", afirma a dermatologista Márcia Senra, coordenadora do Departamento de Psicodermatologia da Sociedade Brasileira de Dermatologia.
Ela explica que pele e sistema nervoso vêm do mesmo folheto embrionário (camadas de células formadas durante o desenvolvimento do embrião), o que os torna intimamente relacionados. Desta forma, ansiedade, estresse e depressão podem agravar a acne, provocar queda de cabelo a partir de um processo inflamatório ou mesmo tornar a pele mais suscetível a psoríase (lesões avermelhadas com descamação) e dermatites atópicas (alergia que provoca ressecamento, erupções e crostas na pele).
Segundo Júnia Serra-Negra, coordenadora de odontopediatria da pós-graduação da Universidade Federal de Minas Gerais, profissionais de todas as áreas precisam estar atentos ao quadro emocional de seus pacientes, e cita o caso do bruxismo (ranger ou apertar de dentes durante o sono ou mesmo acordado). "O jovem adota [o comportamento] para aliviar a angústia que está vivendo", explica.
É o caso de Sabrina (nome fictício), 17. Há um ano, ela faz tratamento para ansiedade e depressão. Recentemente, foi diagnosticada com bruxismo. "Só faço isso quando estou muito ansiosa. Já acordei diversas vezes com a bochecha sangrando, com os dentes e a gengiva doloridos", conta.
Esse não é o único sintoma que ela apresenta quando está ansiosa: "Tenho insônia e tomei Rivotril uma época porque ficava horas e horas acordada", afirma. Segundo o pediatra Gustavo Moreira, pesquisador da Unifesp, o sono pode sofrer alterações no caso de transtornos psiquiátricos. "O adolescente pode ter sonolência: ele não 'aguenta o tranco' e 'apaga' durante o dia. É uma fuga de situações de conflito. Outra possibilidade é a insônia. Pode ter um estressor, um conflito emocional. Aquilo traz angústia, ele fica remoendo a ideia e não consegue dormir", explica.
Por se tratar de doenças infecciosas, muitas dessas manifestações estão associadas ao sistema imune. Segundo o biólogo Moisés Bauer, professor coordenador do Laboratório de Imunologia do Estresse da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, há estudos que ligam o aumento do cortisol (hormônio do estresse), característico na depressão, à imunossupressão (perda de funções da resposta imune), levando a uma maior incidência de infecções.
A prática clínica também mostra relação entre distúrbios gastrointestinais e estresse e ansiedade. "Não há medidor ou exame que consiga corroborar isso matematicamente, mas essas manifestações ocorrem", diz José Capalbo, superintendente médico e cirurgião do aparelho digestivo do Hospital 9 de Julho.
Com uma visão ampla da fisiologia, novas abordagens terapêuticas são possíveis. Segundo Bauer, há estudos sugerindo incluir anti-inflamatórios para tratar depressão e transtorno bipolar. "Mas não é qualquer um que, tomando anti-inflamatório, vai melhorar. Tem que ser feito com orientação médica", adverte.